terça-feira, 19 de junho de 2012

"O que é, o que é?"


Atenção: este artigo revela elementos de Prometheus cujo conhecimento prévio pode arruinar a diversão de quem ainda não assistiu ao filme.
  
Desde que vi pela primeira vez o trailer de Prometheus, tive a sensação de que seria um filme tenso, misterioso e assustador, amparado por uma história consistente que lhe conferisse força. Diante das resenhas geralmente decepcionadas, diminuí minhas expectativas. Mas depois de assistir ao filme, as ideias presentes (e ausentes) na narrativa me deixaram inquieto com o potencial que a história tinha para surpreender positivamente os espectadores.
 
De maneira geral, a crítica lamentou o fato de que o filme coloca questões interessantes sem jamais resolvê-las de maneira satisfatória, em grande parte devido a elementos não desvelados da trama, principalmente os motivos para a criação e a destruição da humanidade. De acordo com os críticos, a ausência de esclarecimentos pode ser atribuída a uma omissão deliberada com fins lucrativos: os realizadores deixam de esclarecer pontos da trama para poder lucrar com "versões estendidas do diretor" e sequências. Tudo isso estaria muito bem se não houvesse prejudicado a recepção do filme.

Um filme deve funcionar por si só. Não posso avaliar plenamente um filme que se ancora tanto na promessa de uma sequência. E supondo que seja feita, é provável que até o seu lançamento as possibilidades de solução desses mistérios sejam esgotadas pela crítica especializada e não-especializada, diminuindo o impacto que as revelações poderiam ter (vide a falsa promessa de Lost).
 
A ausência de explicações também prejudica a recepção do filme na medida em que as lacunas suscitam interpretações das mais variadas. Exemplo disso é a chave cientológico-cristã usada por Pablo Villaça para desvendar os mistérios:

somemos, por exemplo, o crucifixo de Elizabeth ao fato de o filme se passar no Natal (uma data que não seria escolhida aleatoriamente) e uma base claramente cristã começa a se apresentar – e, assim, quando Charlie descobre que os Engenheiros foram mortos “há dois mil anos”, a direção na qual Scott caminha não deixa muito espaço para dúvidas, indicando que a motivação destrutiva dos Engenheiros seria fruto de algo ocorrido há dois milênios. Sim, caro leitor, por trás da série Alien há a morte de Cristo, possivelmente um ser alienígena, nas mãos dos humanos, o que teria levado os Engenheiros a conceber os xenomorfos que se voltariam contra seus criadores e, mais de dois mil anos depois, atacariam a tripulação da Nostromo. Troquemos o termo “ficção científica” por “ficção religiosa” e teremos um gênero mais apropriado ao longa de Ridley Scott.

Quero acreditar que não passa de mera coincidência, caso contrário conservarei ojeriza eterna a filme, diretor e roteiristas. Uma explicação como essa é tão ruim quanto ou até pior que a falta de qualquer esclarecimento. Sem uma história convincente, as ameaças perdem substância, deixando o filme aquém de seu potencial para impressionar.

Eu, particularmente, me diverti com a ideia de que a raça humana seria um experimento. A ideia dos terráqueos como uma colônia experimental de cobaias (como os chimpanzés são para o homo sapiens) pareceu-me eficaz por ameaçar a soberania humana no universo e reduzir-nos a uma mera nota de rodapé do universo (uma ideia presente em MIB - Homens de Preto, de que eu gosto muito).
 
Algumas pistas me levaram a isso. Em certo momento, David afirma que às vezes é preciso primeiro destruir para criar, talvez insinuando que fôssemos um meio de os "Engenheiros" chegarem a algo. Em outro, o filme questiona a ética na ciência ao propor que olhemos a relação criador-criatura da perspectiva do androide.



Diante de um criador tão humano, seríamos destituídos da condição de ápice da cadeia alimentar e tratados com a mesma violência inescapável e controladora que dispensamos aos animais para diversos fins. A razão para destruir-nos seria secundária, tão banal quanto as razões que nos levam a explorar os demais seres vivos do planeta, a depender do humor dos roteiristas: por divertimento, por pesquisa, para começar de novo seja lá o que eles queriam fazer com a Terra, qualquer coisa. Aliás, isso até poderia ser deixado para uma sequência, sem prejuízo à dignidade deste filme.
 
Trata-se, no entanto, de uma teoria criada por minha imaginação e boa-vontade para não estragar meu divertimento. É interessante quando uma obra deixa margem para que cada um tire suas conclusões, extraindo significados diversos dos silêncios da narrativa. Ocorre que essa não pareceu ser a pretensão de Prometheus, e o resultado foi uma saraivada de críticas pouco elogiosas ao filme.

Em outra vertente, pode-se enxergar em Prometheus o potencial para discutir a suposição de que uma máquina pudesse adquirir uma alma: "andróides sonham com carneirinhos elétricos?" é o título do conto de Phillip K. Dick sobre inteligência artificial que inspirou o Blade Runner do próprio Ridley Scott. Trata-se de uma temática aparentemente cara ao diretor, a julgar pelo excelente viral divulgado na internet que conta com uma atuação brilhante de Michael Fassbender:



Espero que este viral conste da versão final, pois é espetacular. Aliás, os virais são muito bons, recomendo.

Há outras questões que podem ser identificadas no filme, como uma analogia com as pesquisas de engenharia genética e outras tecnologias perigosas com potencial para destruir a humanidade, a mais óbvia sendo a referência direta a armas de destruição em massa.
 
Por tudo isso, e não obstante os vários e sérios problemas de roteiro já apontados por críticos e espectadores, acredito que teria feito bem a Prometheus ser mais claro a propósito da criação humana e menos cafona em seu desfecho.

Prometheus


Confesso que tinha expectativas. Não sou fã, mas um admirador de Alien e Aliens, o Resgate (enquanto escrevo, uma bela miniatura do monstro de Giger me sorri topo do computador). Assim, fomos, minha amada e eu, à única sala de cinema no Recife em que se exibia o filme legendado e em 2D.

 
Atenção: este artigo revela elementos de Prometheus cujo conhecimento prévio pode arruinar a diversão de quem ainda não assistiu ao filme.

"Você seria o melhor para dirigir esse filme", teria dito Kubrick a Spielberg em relação a A.I. - Inteligência Artificial, seu projeto não concluído por quase trinta anos. À época do lançamento da versão do diretor de E.T., Jurassic Park e A Lista de Schindler, essa afirmação pode ter servido de consolo e justificativa aos fãs do recém-falecido Kubrick, descontentes em ver uma obra à qual ele tanto havia se dedicado ser adulterada para atender a pressões mercadológicas. Afirmava-se então que, devido a sua tendência ao cinismo, evidente em sua filmografia, Kubrick temia que seu filme não fosse visto e apreciado por um público maior, algo em que seu amigo Spielberg havia claramente se sobressaído.
 
Se esse foi realmente o desejo de Kubrick, não sei. O que sei é que admiro muito mais seu currículo que o de Spielberg, e que ao terminar de ver A.I. no cinema, saí insatisfeito e órfão do diretor de Barry Lindon. Com Prometheus tive a mesma sensação, de certa maneira invertida: enquanto A.I. ficaria melhor nas mãos de seu idealizador, a obra de Scott se beneficiaria da perspectiva de um Nolan ou um del Toro. Como foi dito por Pablo Villaça, trata-se de um filme mediano que poderia ter sido excelente (e para aspectos técnicos e uma crítica profissional do filme, remeto-vos ao texto do próprio).
 
Com uma premissa inspirada na obra Eram os deuses astronautas?, do suíço Erich von Däniken, o filme narra a história de uma missão rumo a coordenadas astronômicas fornecidas por vestígios de várias civilizações antigas, indicativos da origem extraterrestre da humanidade. Financiada pela trilionária Weyland Corporation, a expedição conta com poucos personagens relevantes para a trama. A propósito, se quiser ter uma ideia geral do roteiro do filme, basta assistir a algum dos seus trailers.
 
O filme é visualmente impressionante, sem transparecer artificialidade em momento algum. Os cenários são bem elaborados e comedidos, sem espalhafato ou futurismo excessivo. Destaque especial para os nossos Engenheiros, gigantes de mármore com feições semelhantes às das antigas esculturas clássicas e renascentistas (remetem também ao clipe Schism, de Tool). O problema maior reside, aqui e ali, em certas falas e fatos. Vejamos alguns.
 
Em primeiro lugar, não é explicado em nenhum momento como o casal de cientistas chegou à conclusão de que a humanidade não apenas descendia, mas fora deliberadamente criada pelas tais criaturas, clarividentemente batizadas de “Engenheiros”. Entre as parcas evidências disponíveis e as conclusões delas extraídas existe um abismo que só se atravessa com uma explicação convincente ou desprezo à verossimilhança.
Algumas passagens e personagens merecem destaque. 

Por mais que eu entenda que haja pessoas as mais diversas no mundo, nada justifica a imbecilidade da dupla formada pelo geólogo histérico e o biólogo idiota. Acredito que uma empreitada tão dispendiosa e arriscada deveria ser um pouco mais exigente na seleção do integrantes da tripulação. Das duas, uma: ou o roteiro quis deixar claro que o departamento de recursos humanos da Weyland Corp. precisa de uma “renovação”, ou alguém cedeu à tentação de infantilizar a plateia. Além disso, Ridley Scott deve ter assistido a algum episódio de Aventura Selvagem e concluído que, diante de uma cobra alienígena, Richard Rasmussen faria o mesmo que o biólogo em Prometheus.


Charlize Theron ganhou pelo menos duas falas dignas de novela das seis. Primeiro, quando o androide David (Michael Fassbender) mais do que evidentemente desliga seu aparelho de transmissão remota para que a patroa não o acompanhe desde a nave, o prestativo roteiro nos auxilia a compreender o que se passa: “Você me cortou”, resmunga Theron. E depois, numa confrontação verbal com Weyland, ao terminar uma frase com o irônico e preguiçosamente revelador vocativo “father”, Theron reafirma o grau de sutileza e refinamento dos roteiristas.
 
Por fim, há uma cena com a cientista Elizabeth (Lisbeth?) Shaw, vivida por Noomi Rapace, que peca por incoerente ou pelo menos decepcionante. Questionada por David (mesmo nome do pequeno robô de A.I.) quanto à relevância de se conhecer as razões dos Engenheiros, a personagem responde que ele não a entende por que não é humano. Tendo em vista a curiosidade (e a admiração) visível com que o androide busca as respostas ao longo da projeção, é de se admirar que surja afinal tão resignado. Talvez esteja confundindo sua programação com curiosidade, mas a impressão que fica é de um romantismo filantropo e cafona.
 
Há quem diga que Prometheus tem o defeito fundamental de propor questionamentos existenciais e teológicos que ele ou não responde, ou o faz de maneira infantil. Além de advogar que uma pergunta bem feita pode valer mais que muitas respostas, sou de uma tese diversa. O filme não almeja tanto discutir ou sugerir respostas para questões desse tipo, embora na entrevista abaixo o próprio diretor demonstre uma preocupação com as religiões e os males delas decorrentes. Me parece que o intuito foi mais causar assombro ou espanto, do que desenvolver uma tese sobre existência e religiosidade, talvez por conta da necessidade de conciliar as ideias com o lado pragmático de fazer dinheiro na indústria do cinema. Por isso acredito que se tivesse sido dirigido por alguém como Christopher Nolan, na falta de um Kubrick ou do próprio Ridley Scott de Alien ou Blade Runner, certamente estaríamos diante de uma obra mais sombria e apavorante, sem prejuízo de um conteúdo interessante.
 
Dito isto, não se pode negar que o filme foi bem-sucedido em chamar atenção e despertar curiosidade. Numa próxima postagem, devo escrever sobre as principais polêmicas e  virtudes do filme.