quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O Cavaleiro das Trevas Ressurge

Bane e Batman num momento de descontração.
Acredito serem dois os principais problemas no recém-lançado O Cavaleiro das Trevas Ressurge, de Christopher Nolan: velocidade e verossimilhança. Haverá quem pense de imediato que o autor deste texto pertence àquela categoria de pessoas aborrecidas que não conseguem apreciar um enredo fictício situado num universo fantástico "porque é muito mentiroso" (palavras de alguém que contou-me não gostar de O Senhor dos Anéis) ou porque fantasia é perda de tempo, uma vez que o mundo real é profuso em histórias interessantes (também ouvi essa).

Comecemos pela velocidade. Tem início o filme e somos jogados na Ásia Central, em meio a uma operação de entrega de três prisioneiros encapuzados e um certo dr. Pavel a um agente da CIA. Esta cena, intercalada com uma cerimônia de homenagem a Harvey Dent, personagem do filme anterior que tem um final triste, me pareceu um bocado confusa. Fugindo da opção convencional (e comercial) de revelar didaticamente o que está acontecendo ao espectador, normalmente através de diálogos mais ou menos artificiais, a sequência é rápida e as falas e ações não são plenamente compreensíveis ao recém-chegado, servindo mais para apresentar o vilão. Para entendê-la, aliás, precisei ler uma transcrição na internet depois de assistir ao filme.

Até então tudo bem. Numa cena introdutória, admitimos um pouco de confusão. O problema é que há muitas cenas "introdutórias", nas quais a sucessão de planos não flui de maneira suave, causando a impressão de que o diretor tinha texto demais para tempo de menos. O resultado, ao menos para mim: um filme de duas horas e quarenta que nunca chega a entendiar, mas que parece apressado e confuso.

Antes de passar ao problema da verossimilhança, permita-me comentar a trilha musical que acompanha o filme. Há alguns anos, seguindo indicação bastante favorável de um crítico que respeito (Pablo Villaça, do Cinema em Cena), fomos, minha amada e eu, cheios de expectativa ao cinema assistir Batman Begins. Deixamos o cinema talvez antes da metade. Entre vários aspectos internos e externos à película que arruinaram nossa diversão, a trilha sonora em volume altíssimo foi um fator decisivo. Não lembro de ter-me incomodado com isso no segundo filme, mas no primeiro, e também neste terceiro, o exagero melodramático e o mau emprego da trilha épica ultrapassaram o limite da nossa tolerância. A "música épica" deve ser empregada em momentos-chave, quando  ocorre uma reviravolta reveladora, quando um ato heroico é encenado, quando tudo parece estar perdido. Não faz sentido empregar música desse tipo antes e fora dos momentos verdadeiramente épicos da história, ainda que saibamos ou esperemos que eles ocorram.

Feito esse breve desvio, vamos à verossimilhança.

Corro o risco de ser chato, mas creio ter razão. Um dos méritos da trilogia de Nolan é o de encaixar um herói dos quadrinhos num mundo verossímil, eliminando elementos fantásticos (e potencialmente ridículos) que tendem a gerar incredulidade nas mentes mais intransigentes ou fornecendo explicações plausíveis para características extraordinárias da história. Em Batman Begins temos um prólogo que explica as habilidades de combate do Batman e sua maneira peculiar de enfrentar os criminosos. Treinado rigorosamente em técnicas ninja, de combate furtivo e eficiente, e assessorado pelos enormes recursos de sua empresa e fortuna, vimos Bruce Wayne sofrer reveses e passar por uma curva de aprendizado dolorosa até atingir um ponto em que era possível aceitar o seu sucesso no combate ao crime como algo coerente.

Que eu me lembre, o excelente O Cavaleiro das Trevas não prejudica esse aspecto da trilogia. O último filme, entretanto, apresenta alguns exemplos de implausibilidade que o tornam um pouco mais difícil de engolir. Comecemos pela Mulher-Gato. Já suspeitava que Anne Hathaway não seria boa escolha para o papel e não me enganei. Seus melhores momentos são o diálogo com Bruce Wayne ao ser pega roubando o colar de pérolas e a cena do bar. O resto não me convenceu, inclusive o conjunto de sua atuação. Mas o pior não é culpa de Anne Hathaway, mas de quem a escolheu ou planejou suas cenas de luta. É absolutamente impossível que aquela magricela lânguida e lerda represente alguma ameaça aos brutamontes que ela enfrenta. O fato de qualquer peteleco de Hathaway ser suficiente para nocautear qualquer um de seus antagonistas é um balde de água fria sobre a ilusão de plausibilidade que Nolan havia construído para sua trilogia.

Um momento lastimável do filme ocorre perto do fim, quando o detetive Blake se depara com asseclas de Bane que impedem que os policiais escapem do subsolo. Demonstrando frieza e cruel pragmatismo, um dos criminosos não hesita um milissegundo ao tirar o pino e soltar uma granada sobre os policiais que fugiam por um bueiro. Para eliminar o detetive desarmado e indefeso, no entanto, este mesmo criminoso requer um ritual suficientemente longo e implausível que permita ao Batman fazer uma entrada triunfal e salvar um dos mocinhos.
Não me pergunte sobre o dinossauro.

Por fim, refiro-me à antológica cena do golpe final que Bane efetua sobre a coluna vertebral do Batman. Diagnosticado com uma fratura vertebral exposta (nada é dito sobre as dezenas de outros golpes que recebeu do gigante Bane), basta ao antes debilitado Bruce Wayne ficar pendurado por algumas horas e treinar calistenia durante dois meses numa prisão medieval (onde a alimentação deve ser balanceada em proteínas, carboidratos, vitaminas e sais minerais) para atingir o ápice da sua forma física. Esqueçamos, claro, que antes de ser ali confinado ele usava uma prótese no joelho que permitia sua locomoção e que seus raptores descuidaram de retirar.

Uma última observação a ser feita diz respeito à voz de Bane, regravada sobre a original para facilitar a compreensão pelo público. Lembro de assistir ao primeiro trailer e realmente ter dificuldade em entender o que ele havia dito, mas aparentemente a regravação ficou um pouco desconectada da atuação de Hardy e sua voz parecia ligada num amplificador, artificialmente sobreposta ao meio sonoro e superior à voz de todos os outros personagens.

É importante frisar que, apesar dos pesares, o filme é bom. O Bane de Tom Hardy é um personagem instigante (e até cativante), de uma tranquilidade amedrontadora, e o mordomo Alfred, interpretado magistralmente por Michael Caine, é um porto seguro de razoabilidade. Talvez o infortúnio de Nolan (ou o nosso) tenha sido criar um nível de expectativa muito alto a partir do espetacular O Cavaleiro das Trevas, que considero um dos melhores filmes a que pude assistir.

P.S.: duas observações sobre aspectos exógenos que afetam meu divertimento. Primeiro, a quantidade e a qualidade de espectadores na sala de cinema me incomodam consideravelmente. Segundo, foi possível perceber traduções erradas nas legendas ao longo da projeção.