quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Uma Rambla para o Recife (2)

Avenida Dantas Barreto ainda em construção.
Se eu soubesse desenhar, seria mais fácil. Os pensamentos, pô-los-ia graficamente no papel e economizaria pelo menos uma centena de palavras. Como não é o caso, consola-me o fato de que o teclado facilita a escrita e a internet enriquece a imaginação.
 
Dizia no texto anterior que uma notícia me havia reatiçado para a ideia de uma Rambla no Recife. Sem delongas, eis o vídeo.
A finada Igreja do Bom Jesus dos Martírios.
 
A matéria é recente, mas o problema é antigo. O próprio Jornal do Commercio publicou artigo em janeiro de 2011, classificando a avenida Dantas Barreto como "a maior concentração de irregularidades por metro quadrado" (leia aqui). Aparentemente, ninguém gosta da Dantas Barreto. A avenida que ligou o nada a lugar nenhum é problema para pedestres, passageiros de ônibus, comerciantes, moradores, camelôs e turistas. Simplesmente não funciona. Como se não bastasse, possui ainda uma dívida histórica: sua construção, na década de 1970, destruiu parte do bairro de São José - cerca de 400 casas, a Igreja do Bom Jesus dos Martírios, parte do Pátio do Carmo e da Praça Sérgio Loreto. A troco de quê?

A Dantas Barreto é, por tudo isso e mais alguns motivos que eu pretendo mostrar, o lugar ideal para construir algo parecido com uma Rambla no Recife. Se você não sabe do que estou falando, certamente não leu o post anterior. Leu? Então vejamos:

I - Extensão: a Dantas Barreto tem cerca de um quilômetro do Pátio do Carmo até a Praça Sérgio Loreto, tamanho ideal para um projeto desse tipo;
 
II - Amplitude: a avenida é bastante espaçosa, com 46 metros de largura até a rua Passo da Pátria e 51 metros daquele ponto em diante – a Rambla chega no máximo a 44m;


Largura da Dantas Barreto



Largura máxima da Rambla de Barcelona

III - Patrimônio histórico na vizinhança: na imagem abaixo estão destacados nos círculos verdes os principais pontos turísticos do entorno. A via convidaria o trânsito de turistas no caminho de uma atração a outra;





IV - Contigüidade com o terreno da Rede Ferroviária Federal (Refesa), adquirido por um consórcio para a construção do polêmico projeto "Novo Recife". Acredito que a Dantas Barreto poderia ser continuada, atravessando a bela Praça Sérgio Loreto e culminando no Cais José Estelita, uma das melhores vistas do Recife;


Praça Sérgio Loreto

V - Investimentos em hotéis: como parte do Porto Novo, o antigo prédio da Conab deve ser demolido em breve para a construção de um hotel e uma marina. Segundo o diretor do Porto Novo Recife, este hotel será "
o primeiro que ficará literalmente à beira-mar do Recife, com 300 apartamentos, marina internacional, e vai trazer o turismo náutico internacional", gerando cerca de 3 mil empregos;

VI - Se conjugada com um aproveitamento mais responsável do projeto Novo Recife e com o projeto Porto Novo (que se mostra promissor) no Recife Antigo, uma requalificação desse tipo na Dantas Barreto poderia impulsionar ainda mais a economia do bairro com comércio, turismo e imóveis residenciais.



*

Este coitado que vos fala pode estar delirando ou sendo ingênuo demais, como é costumeiro ocorrer, mas ele acredita realmente que se trata de uma proposta viável e interessante. Se me permitem, gostaria de falar sobre as dimensões.

A avenida Dantas Barreto possui um trecho com pouco mais de 46 metros de largura e o resto com cerca de 51 metros. A Rambla catalã, estimo, varia de 30 a 44 metros de largura ao longo de seu trajeto. Nossa avenida, subutilizada como corredor de ônibus e degradada no seu canteiro central pelo "camelódromo" (o "Calçadão dos Mascates"), construído em 1992 para abrigar os vendedores ambulantes do Pátio do Carmo, pode servir como atração turística, área de lazer, entretenimento, comércio, serviços, corredor de ônibus, ciclovia e pista de cooper.

Como ficaria a avenida? 

Atualmente a Dantas Barreto possui, em seu trecho mais amplo, um total de 6 faixas de trânsito e 2 de trânsito/estacionamento-baliza. Como corredor de ônibus, ela só precisa de quatro, duas indo e duas voltando. As faixas atuais ocupam entre 23 e 24 metros de cerca de 50. Com quatro faixas de 3,5m cada, as vias ocupariam 14m, deixando espaço para calçadas de até 7m em cada lado que comportariam estacionamentos diagonais de 4m em alguns trechos, restando de 23 a 28 metros para canteiro central e calçadas.

Exemplo:

-Calçadas laterais: 7m de calçada (3m onde houver estacionamento diagonal) = 7m x 2 = 14m

-Vias de trânsito: 7m de faixas de trânsito = 7m x 2 = 14m

-Canteiro central para pedestres: 46 - 28 = 18m (trecho mais estreito) e 51 - 28 = 23m (trecho mais amplo).

Os estacionamentos seriam "cavados" em calçadas de 7m de largura, deixando somente nesses trechos 3m disponíveis para os pedestres, uma largura razoável se lembrarmos que há bastante espaço para o pedestre no canteiro central. O exemplo considera estacionamentos dos dois lados da pista, tendo em vista que o transporte automotivo é uma realidade em nossa cidade e eu não sou nenhum profissional do assunto para propor uma alternativa nesse caso. Também seria possível fazer estacionamentos do tipo baliza com 2m de largura, aumentando ainda mais a largura do canteiro central.

Se você está achando que 23 metros é pouca coisa, veja abaixo o que são 20 em outros locais conhecidos da cidade.

Calçadão em frente ao edifício Acaiaca em Boa Viagem


Rua da Moeda, Recife Antigo
Um calçadão central arborizado, fiação embutida no solo, quiosques diversos, pista de cooper, ciclovia, bancos fixos, espaços para espetáculos artísticos, vendedores ambulantes (com fiscalização para evitar exageros), terminando (ou começando) com a bela vista do Cais José Estelita. Se isso não revitalizasse e valorizasse esta parte da cidade, não sei o que mais o faria.

Há, no entanto, alguns "detalhes". Um deles é o limite de velocidade: atualmente os ônibus trafegam de maneira irresponsável, e lembro-me que já houve acidente grave por causa disso. Como uma maior circulação de pedestres, seria necessário restringir o ímpeto dos motoristas, algo simples de se fazer.

Mais complicada é a questão dos "mascates". Há 900 comerciantes cadastrados no camelódromo, e a prefeitura teria que pagar indenizações ou encontrar outras saídas para essas pessoas – capacitação profissional, construção de um mercado público digno nas redondezas ou qualquer outra coisa que os permitisse viver do seu trabalho.

Seria possível arriscar algumas estimativas de indenizações e custos de obras, mas trata-se de esforço infrutífero. Meu propósito é apenas jogar no ar uma contribuição para repensar a nossa cidade, mas como o terreno é infértil e o meio inadequado, agradeço a atenção e fico por aqui.

Fontes:

Lima, V. M. F. O Calçadão dos Mascates: uma análise da proposta de desenho urbano.
Humanae, v.1, n.1, p.54-70, Set 2007. <disponível em: http://www.esuda.com.br/revista/final/artigos/Lima.pdf>




Uma Rambla para o Recife (1)


Calçada da Conde da Boa Vista, Recife-PE
Certa vez estava remoendo os problemas urbanos do Recife: a (i)mobilidade, a carência de praças, de espaços de convivência e de lazer, a ditadura dos automóveis sobre pedestres e ciclistas. Como a maioria dos recifenses, tenho problemas com o desperdício de tempo no trânsito, com a exclusão de ciclistas e pedestres, com o valor abusivo e a má qualidade do transporte público e com a falta de hospitalidade do centro da cidade. Vivemos numa cidade quente onde não há espaço para árvores. As calçadas são pequenas demais para ambulantes e transeuntes e as ruas são estreitas demais para carros e ciclistas.

Conversa vai, conversa vem (comigo mesmo ou com alguém daqui de casa), eis que surge a avenida Conde da Boa Vista. Quente demais, cheia de gente, barulhenta, fedorenta, congestionada. É difícil encontrar um adjetivo positivo. Nunca estive em São Paulo, mas pelo que vi da Avenida Paulista, imagino que seja mais hospitaleira e organizada que a Conde da Boa Vista. Pensando numa solução para esse nosso inferno local, lembrei-me da Rambla. Como sonhar é de graça e o assunto me interessa, minhas divagações me levaram a pesquisar.

Se você já esteve em Barcelona, certamente sabe a que estou me referindo. Para quem não conhece, as fotos que adornam o texto serão suficientes para ilustrar a ideia que tem rondado minha cachola há alguns meses. 
 
La Rambla – ou Las Ramblas, uma vez que há pelo menos duas, uma delas chamada de Rambla Catalunya – é uma avenida como praticamente não há nesse pedaço caliente do mundo que chamamos de Recife: um caminho arborizado que privilegia o pedestre. Além da sombra assegurada pelas árvores, seu formato incomum e localização central fizeram desses mais de dois quilômetros de ruas contíguas um espaço público movimentado e uma atração incontornável aos visitantes da capital catalã. 

Com uma largura que varia, a depender do trecho, de 35 a 44 metros (de acordo com a régua do Google Earth e os dados que encontrei na internet), a Rambla ostenta três caminhos para pedestres: duas calçadas laterais, com no máximo 3m de largura, e um "canteiro" central cuja amplitude média é de 18m. Entre o canteiro central e as calçadas laterais, uma via indo e outra voltando. São três faixas de trânsito e um espaço para estacionamento em um dos lados, conforme mostra a foto.
 
O canteiro central, claro está, é o inusitado destaque. Nele se encontram comerciantes diversos (lanchonetes, floristas e bancas de revistas, por exemplo), artistas de rua, engraxates, guias turísticos e pontos de informação, e muitos transeuntes, turistas e locais. Não poderiam faltar bancos fixos para descansar, ler um livro ou um jornal, ou simplesmente para ver o povo na rua. Nas calçadas laterais, belos edifícios de cinco a sete andares abrigam residências e negócios, com vitrines de lojas, farmácias, bares, lanchonetes, restaurantes – o de sempre.
 
Não quero, porém, estender o falatório sobre a Rambla e demorar a tratar daquilo que realmente me importa. Se o leitor ou a leitora quiser saber mais sobre os encantos de Barcelona, o Google está 24 horas ao seu dispor. A partir de agora falaremos do Recife.
 
Que eu me lembre, Recife tem somente uma via de pedestres, que é a rua da Imperatriz. Quem já andou por lá sabe que o movimento é grande. Em época de comércio intenso a rua fica pequena para tanta gente. Não há árvores na Imperatriz e, apesar do nome pomposo, não há muita beleza para se ver ou boas opções para desfrutar o ócio. Apenas lojas, lanchonetes e outros negócios.

Rua da Imperatriz. Foto: Guga Matos/JC Imagem
Minha preocupação, no entanto, era com a Conde da Boa Vista. Vislumbrando algo parecido com a Rambla, afrontou-me de imediato a falta de espaço. Além dos ônibus que circulam diariamente nos corredores exclusivos, há faixas para carros em boa parte do trajeto. Julgava ser ampla o suficiente para abarcar a ideia, mas seus surpreendentes 25 metros de largura não me permitiram aplicar-lhe o conceito espaçoso da Rambla.
 
Engavetei meu projeto-divagação e deixei para lá. Até que um dia desses esbarrei com uma notícia que me fez mudar o foco, como mostrarei no texto seguinte.
 
Abaixo, a Rambla de Barcelona de dia e ao anoitecer.



terça-feira, 16 de outubro de 2012

Um parque para o bairro da Torre

Hoje enviei uma mensagem ao recém-eleito futuro prefeito da cidade do Recife, Geraldo Júlio, através do site da sua campanha. Na ausência de um meio mais eficaz e imediato de externar minha preocupação e desencarcerar minha angústia por nada poder fazer a respeito daquilo que me preocupa, tive que recorrer a esse expediente. Não me acusem, portanto, de tolice ou ingenuidade.

Segue abaixo a referida "carta", acompanhada de algumas imagens ilustrativas que não puderam ser anexadas à original. Por favor ignorem as falhas de redação.

Prezados,

Parabéns pela eleição. Sou morador da Madalena, mas bem próximo da Torre, e me preocupo com a utilização do espaço urbano. Minha ideia está relacionada com Meio Ambiente, Educação, Saúde, Cultura, Esporte e Lazer
(o site solicita que se especifique o assunto). Quero ver preservada a memória e contribuir para a melhoria da qualidade de vida no meu bairro e na minha cidade.

Apesar de não saber em que situação se encontra o imenso terreno do antigo cotonifício da Torre, gostaria de compartilhar algumas observações e sugestões a respeito.

Se olharem no Google Mapas, perceberão que trata-se de uma área enorme, praticamente do tamanho do parque da Jaqueira, com árvores belíssimas, imensas e frondosas. O terreno possui edifícios que podem ser aproveitados para finalidades diversas, como museu, bares, restaurantes e comércio. Parte poderia, após um levantamento apropriado, ser demolida para a construção de instalações modernas com finalidades públicas. Imagino, principalmente, uma biblioteca municipal ampla e confortável para a nossa cidade, tão mal servida desse tipo de espaço.

Penso, também, que da grande área com árvores e ruínas pode ser feito um parque com metade do tamanho daquele da Jaqueira, como um irmão mais novo do outro lado do rio, que embelezaria a cidade e traria qualidade de vida para a vizinhança. Peço, aliás, que procurem aproveitar as margens do Capibaribe para iniciativas nesse sentido, tendo em vista a mobilidade de pedestres e ciclistas e a construção de espaços de convivência e lazer.

Peço encarecidamente que não coloquem o interesse das grandes construtoras acima do interesse público e do legado que deixarão para as gerações presentes e futuras.

Agradeço a atenção e desejo-lhes um bom trabalho na administração do Recife.


Sobre o bairro da Torre:

http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=179&Itemid=1