terça-feira, 27 de novembro de 2012

O espaço urbano segundo Geraldo Júlio




Nos últimos dias da campanha eleitoral de 2012, o prefeito eleito Geraldo Júlio (PSB) registrou seu programa de governo no Tabelionato Figueiredo, no bairro de Boa Viagem, enfatizando o compromisso com as promessas feitas à sociedade recifense.
 
Infelizmente, o documento não tem parágrafos. São vinte e oito páginas de texto corrido, o que desestimula e cansa. Por razões que a preguiça me impede de mencionar, transcrevi num formato mais amigável os quatro primeiros tópicos do primeiro eixo/linha de ação, Organizando a Cidade. Espero contribuir para o controle social da gestão do futuro prefeito. Agradeço ao site do Jornal do Commercio, que publicou o programa inteiro (clique aqui).

Os cinco eixos são: 1) Organizando a cidade, 2) Qualificando os serviços, 3) Direitos humanos, proteção e emancipação social, 4) Multiplicando as oportunidades, 5) Profissionalizando a gestão.

Os tópicos do primeiro eixo são: 1.1) planejamento urbano; 1.2) ordenamento urbano; 1.3) mobilidade urbana e transporte; 1.4) habitação/regularização fundiária; 1.5) iluminação; 1.6) saneamento/drenagem/áreas de risco; 1.7) meio ambiente; 1.8) gestão de resíduos sólidos/limpeza urbana.

1.1) Planejamento Urbano
Resumo: Construção participativa de um projeto para a cidade, em bases sustentáveis, considerando o conjunto urbano, qualidade de vida para os cidadãos e resgate da identidade municipal (cultura, vocações, e evolução histórica).

Os compromissos com a construção de um projeto de desenvolvimento em bases sustentáveis para o Recife podem ser registrados, de forma resumida, nos seguintes termos:

I - Fortalecer o planejamento urbano como instrumento essencial para a gestão da cidade, adotando mecanismos participativos de discussão com os diversos segmentos da sociedade e debate permanente com as entidades representativas dos profissionais das áreas de planejamento e urbanismo;

II - Considerar, no planejamento e execução, a condição do Recife como núcleo da metrópole, o que orienta a articulação com demais municípios da RMR para resolução das questões comuns e ativação dos instrumentos de gestão intergovernamental metropolitana, integrando-se com as esferas estadual e federal;

III - Estabelecer parâmetros para o desenvolvimento da cidade que considerem:

a) o espaço público, nele compreendendo as calçadas, praças e jardins, mobiliário urbano, arborização, iluminação, sinalização;

b) a mobilidade urbana no que concerne ao transporte público de qualidade, ciclovias, estacionamentos, calçadas;

c) a requalificação urbana dos centros de comércio diversificado e serviços urbanos modernos;

d) a valorização da cultura regional, os eventos culturais e de negócios com abrangência nacional e internacional;

e) a atração turística frente aos mercados nacional e internacional, a qualificação e a inserção da cidade no calendário nacional e internacional dos esportes;

f) a oferta de saneamento ambiental, a garantia de harmonia na convivência social e qualidade ambiental dos espaços públicos.

1.2) Ordenamento Urbano
Resumo: revisão da legislação urbanística do Recife; definição de novos parâmetros construtivos; identificação e destinação de áreas para convivência, lazer e proteção ambiental.

É consenso a necessidade de revisão da legislação urbanística do Recife. O crescimento espontâneo e desordenado provocou gargalos e desequilíbrios que precisam ser superados a partir de uma visão de futuro para a cidade. Repensar o Recife significa também resgatar o patrimônio histórico e cultural que distingue a cidade no cenário nacional.

Para o centro histórico e o centro expandido, serão criados novos instrumentos legais, tributários e de controle urbano para incentivar a recuperação daquela área através de múltiplos usos (residencial, comercial, serviços, cultura, turismo e lazer). Instituir e aplicar benefícios para a recuperação de imóveis destinados à moradia, pousadas e hotéis, estacionamentos verticais e empresariais:

a) otimizar o instrumento do IPTU progressivo;

b) isenção do IPTU para moradia em áreas degradadas e prédios abandonados ou subutilizados do Centro da cidade;

c) regime especial de ISS para empreendimentos da economia criativa e serviços modernos, tecnologia, cultura e turismo que se instalem no Centro da cidade.

Serão definidos novos parâmetros construtivos para incentivar o desenvolvimento de centros comerciais e de serviços no entorno de terminais de passageiros, mercados públicos e feiras livres, consolidando novas centralidades urbanas. Com isso, o recifense terá a possibilidade de adquirir bens e serviços, próximo ao seu local de moradia, com impactos positivos na mobilidade urbana e, consequentemente, na sua qualidade de vida.

-Devolução da cidade ao cidadão, reorganizando os espaços públicos para convivência, lazer, esportes e atividades culturais;

-Atuação em parceria com o governo estadual para garantir a construção e revitalização dos grandes parques do Recife;

-Implantação, recuperação e manutenção das unidades de proteção ambiental;

-Revitalização e manutenção permanente das praças da cidade;

-Identificação de espaços disponíveis (terrenos baldios, campinhos, margens de canais, cruzamentos, estacionamentos subutilizados) para criar pracinhas, de acordo com a dimensão do terreno disponível.

1.3) Transporte e Mobilidade Urbana
Resumo: prioridade ao transporte público coletivo, retomada do cuidado com as calçadas, investimento em ciclovias e ciclofaixas e implantação de sistema de gestão do trânsito, com instalação da Central de Comando e Controle.

As intervenções precisam estar orientadas por um planejamento que contempla a estruturação e qualificação da malha viária, o transporte coletivo de passageiros, transporte individual e acesso do cidadão aos espaços públicos, para deslocamento e lazer. O transporte de pessoas e a mobilidade urbana devem ter como foco a necessidade do cidadão metropolitano. Considerando tanto os deslocamentos não motorizados (pedestres e ciclistas), como o sistema de transporte público (ônibus, metrô e sistema complementar) e a gestão do trânsito. O objetivo é reorganizar a cidade a partir de ações integradas nesta área. A atuação da prefeitura será complementar e integrará as intervenções viárias executadas pelo governo estadual e previstas no PAC mobilidade. Os corredores Norte e Sul, Leste e Oeste e da BR 101 contarão com a modalidade BRT (Transporte Rápido por Ônibus), que pode ser considerado um metrô sobre rodas. Os BRTs terão estações e veículos climatizados, compra de passagem antecipada e embarque em nível (permitindo acessibilidade). Através do PAC mobilidade, serão viabilizadas as obras dos corredores de transporte da segunda e terceira permitetrais, que vão da Estrada dos Remédios à Estrada Velha de Água Fria e da Av. Recife a Casa Forte, respectivamente.

O sistema de mobilidade urbana do Recife será complementado por um conjunto de intervenções capazes de adequar a malha viária e os modais de transporte individual e coletivo:

a) requalificar os corredores viários na Av. Norte, Av. Sul, Av. Mascarenhas de Moraes, Av. Domingos Ferreira e Av. Abdias de Carvalho;

b) reestruturar o sistema viário e de transporte coletivo nas 6 regiões do Recife, com destaque para Casa Amarela (14 km de vias internas) e Ibura/Jordão (10 km de vias internas);

c) 76 km de ciclovias e ciclofaixas, além de recuperar e implantar 110 km de calçadas, respeitando os padrões modernos de acessibilidade;

d) amplo programa de sinalização para pedestres e veículos (sinalização horizontal, vertical e semáforos) em pelo menos 100 pontos críticos na cidade;

e) sistema de gestão para o trânsito do Recife e região metropolitana, a partir da implantação de uma Central de Comando e Controle, com semáforos sincronizados, controle do fluxo de veículos, treinamento da guarda municipal e realização de campanhas educativas para pedestres e motoristas;

f) garantir a execução do programa de navegabilidade do Capibaribe, lançado pelo governo de Pernambuco, através de ações de competência da prefeitura como a remoção de palafitas, a recuperação das margens do rio, saneamento ambiental e reurbanização de áreas degradadas. Além de uma opção para a mobilidade, cria-se assim um importante veículo para a promoção do turismo, a partir das estações integradas ao sistema de transporte público de passageiros da RMR. Complementares às propostas para o trânsito, serão feitos investimentos em ações de saneamento, com o objetivo de erradicar os pontos críticos de alagamento, que comprometem o fluxo de pessoas e veículos na cidade.

1.4) Habitação/regularização fundiária
Resumo: intensificar o ritmo de construção de novos habitacionais; tratamento prioritário para as áreas de risco ou em condições insalubres, as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS); requalificação dos espaços urbanos (conceito de habitabilidade).

A superação do déficit habitacional e dos conflitos decorrentes da exclusão fundiária exige uma abordagem radical que combine a oferta de unidades em ambientes urbanos recuperados, incluindo a região central do Recife a partir da recuperação de prédios vazios e subutilizados, com o mapeamento de áreas e resolução da titularidade dos imóveis. 

Para tratar a questão da moradia no Recife, a atuação será orientada em três frentes:

I - ampliação da oferta para diminuir o déficit habitacional;
II - Tratamento prioritário para as áreas de risco ou em condições insalubres;
III - requalificação dos espaços urbanos (conceito de habitabilidade):

a) para enfrentar o déficit habitacional na cidade, intensificar o ritmo de construção de novos habitacionais, com investimentos públicos municipais e estabelecimento de parcerias, Ainda nesta frente, a prefeitura socialista também irá criar um amplo programa de regularização fundiária, priorizando as 66 Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) do Recife;

b) requalificação urbana na comunidade do Bode, localizada no Pina, tendo como referência o trabalho desenvolvido pelo Governo Estadual na Ilha de Deus. A área será revitalizada, e, além de um conjunto habitacional, será construído um parque na área das palafitas. Os moradores terão novas casas, saneamento básico, lazer e qualificação profissional;

c) erradicar os pontos de risco alto ou muito alto dos morros do Recife, com remoção de moradias e realocação das pessoas em áreas próximas;

d) Integrada aos conceitos atuais de habitabilidade, identificar áreas na cidade para devolver ao cidadão espaços de convivência, cultura e lazer.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O futuro da ilha de Antônio Vaz

A Ilha de Antônio Vaz.

No centro do centro do Recife está a Ilha de Antônio Vaz, formada pelos bairros de Santo Antônio, São José, Cabanga e Ilha Joana Bezerra. O nome não é muito conhecido, mas a ilha abriga vários locais importantes da cidade, como o Palácio do Campo das Princesas, o Teatro Santa Isabel, o Mercado São José, a Estação Ferroviária Central, o Forte das Cinco Pontas e o Fórum Joana Bezerra (oficialmente Fórum Rodolfo Aureliano). Trespassam seus bairros conhecidas avenidas e ruas da capital pernambucana, como Guararapes, Dantas Barreto, Sul e Imperial, e catorze pontes ligam a ilha a outros bairros. Sua vista aérea é talvez o mais famoso cartão-postal da cidade.

Como se sabe, entretanto, esses bairros foram abandonados pelo Poder Público, apesar de seu grande potencial. Sua vocação comercial é debilitada por calçadas estreitas e sujas, disputadas por pedestres e vendedores de rua. O final da Dantas Barreto, o binário avenida Sul e rua Imperial, e o Cais José Estelita, por sua vez, servem quase unicamente de passagem para carros e ônibus, com ruas desertas e edifícios degradados. Com a insegurança, há pouca vida noturna, e com pouca vida noturna, há insegurança.

Em meio à preocupação geral com os usos e abusos da cidade, projetos de diferentes tipos e dimensões, localizados nesses bairros, criam tanto esperanças quanto polêmicas. Como leigo interessado no assunto, resolvi expressar minha opinião, tentando olhar de maneira concertada o conjunto de projetos situados na ilha para sugerir mudanças que poderiam reconfigurar de maneira mais decisiva a realidade social e econômica desta parte da cidade.
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Há vários projetos em curso na Ilha de Antônio Vaz. Um deles faz parte de uma iniciativa municipal chamada de Operação Urbana Consorciada (OPUC) Joana Bezerra (lei municipal 17.645/2010), cuja definição legal é "um conjunto de intervenções coordenadas pela Prefeitura, (...) com a participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores, visando à melhoria e transformações urbanísticas, sociais e ambientais na área do Joana Bezerra (...)" (art. 1º).
Conjunto Habitacional em Joana Bezerra já 
passou do prazo.

Entre seus muitos objetivos (explícitos e implícitos), está o de erguer, próximo ao Fórum Rodolfo Aureliano, um Pólo Jurídico formado por Tribunal de Justiça de Pernambuco, Ministério Público de Pernambuco, Ordem dos Advogados do Brasil-PE, Defensoria Pública, Fórum Criminal e Escola de Magistratura. O projeto é polêmico e enfrenta oposição de organizações do Coque, em Joana Bezerra. Lamentavelmente, tem sido pouco discutido na mídia.

Como contrapartida aos terrenos disponibilizados, o Poder Judiciário teria que ceder R$ 50 milhões em benefícios ao bairro, conforme noticiou Daniel Guedes. Fato é que a lei da OPUC determina o seguinte:

Art. 5º Os empreendimentos e as atividades que se pretenderem instalar na área objeto da presente Operação Consorciada, com índice de potencial construtivo superior a 01 (um), só serão aprovados mediante a contrapartida para a consecução dos objetivos desta lei e do plano de intervenção e obras, nos termos do inciso VI do art. 170 do Plano Diretor da Cidade do Recife.

§ 1º São obras prioritárias de urbanização, necessárias para implementação da Operação Urbana, sem exclusão de outras que poderão ser executadas pelo Município, as seguintes, detalhadas no Anexo Único desta lei:



OPUC Joana Bezerra.
I - Urbanização das margens do Rio Capibaribe;
II - Alargamento da Rua Cabo Eutrópio;
III - Anel Viário;
IV - Parque Público Beira Rio de uso comum do povo;
V - Acesso à estação intermodal;
VI - CEMEI - Centro Municipal de Educação Infantil
VII - Centro Ambiental.


§ 2º A execução da obra prevista no inciso IV do parágrafo anterior caberá ao empreendimento voltado à Prestação Jurisdicional do Estado, sendo que a licença de construção só será expedida se a mesma estiver sido executada, ou garantido o pagamento do valor para sua execução.
§ 3º A Secretaria de Controle e Desenvolvimento Urbano e Obras fica autorizada a receber, em rubrica específica, o pagamento de eventual valor de garantia especificado no parágrafo segundo deste artigo.
§ 4º A execução do Centro Municipal de Educação Infantil é de responsabilidade do Município.

§ 5º O Município para executar as obras referidas no § 1º poderá firmar convênios com outros Entes Federados ou com a iniciativa privada.

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Eis os benefícios pretendidos para o bairro pela OPUC. Salta aos olhos o fato de que o Parque Beira Rio, do qual pouco ou nada é conhecido (a propaganda oficial menciona apenas os parques do Caiara, de Apipucos e de Santana), consta como condição prévia para a licença de construção dos edifícios do Pólo Jurídico. Uma vez que os terrenos do MPPE, da OAB-PE e do TJPE já foram cedidos pela Prefeitura, resta saber como está o desconhecido projeto do parque.
Limites do bairro de São José.
O plano todo me parece sensato, mas gostaria de ousar um pouco além do projeto para integrá-lo ao bairro de São José. Isso seria possível se a linha férrea entre Joana Bezerra e a Estação Central fosse extinta ou tornada subterrânea, e quero explicar por quê. Na imagem acima, feita aparentemente pela própria Prefeitura, a faixa verde legendada como "Urbanização das Margens" não faz parte do "anel viário", em vermelho. Supondo que "urbanização" signifique pista para automóveis, ciclovia e amplas calçadas (e praças, espero), percebe-se que ela termina onde passa o trecho Afogados-Joana Bezerra da ferrovia, demonstrando o caráter de muralha que esse tipo de construção adquire no espaço urbano. A escolha da rua Cabo Eutrópio certamente deveu-se ao fato de que ela cruza a ferrovia por baixo, com uma largura de cerca de 13,5m, e segue até a Avenida Sul.

A rua Cabo Eutrópio sob a ferrovia.
O efeito degradante e segregante da ferrovia sobre o seu entorno é amplamente conhecido e facilmente verificável, constituindo uma das razões por que grandes cidades optam por metrô subterrâneo. Na ilha de Antônio Vaz, a linha férrea é também fronteira entre os bairros de Joana Bezerra e São José, e em torno dela há famílias vivendo em favelas, prédios abandonados, a rua Imperial e a avenida Sul.


Em outro post comentei a situação da avenida Dantas Barreto, sugerindo uma alternativa que poderia ser incorporada a esse plano geral para o Centro, posto que atualmente ela não atende bem a ninguém.  Creio, no entanto, que uma valorização real dos bairros da ilha de Antônio Vaz precisa resolver o problema da linha férrea pelo menos no trecho Joana Bezerra-Estação Central. 

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Ferrovia, conjuntos habitacionais e integração 
da Beira Rio com a avenida Rio Capibaribe.
A linha férrea que parte da estação Joana Bezerra rumo à Estação Ferroviária Central tem cerca de 1,4km de extensão (veja imagem ao lado). É possível perceber que, além dos fundos das empresas instaladas na rua Imperial, considerada em estado de abandono, as únicas construções residenciais próximas à ferrovia são favelas e palafitas, a cujos moradores, juntamente com os da comunidade dos Coelhos, do outro lado do rio, foram prometidos conjuntos habitacionais que estão em construção nos locais indicados acima. Como é possível perceber, os conjuntos ficarão ao lado da linha férrea, que permanece como fator de insalubridade e barreira segregadora para as famílias que ali viverão.


Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).
Diante desse problema, pergunto se é indispensável que perdure a linha Joana Bezerra-Estação Central. Creio que não. Em primeiro lugar, o Terminal de Joana Bezerra permite que o passageiro troque o meio de transporte sem ônus adicional, de modo que, extinto o trecho ferrovia, a alternativa mais fácil é utilizar um ônibus para seguir viagem até o centro da cidade. Outras opções para substituir o metrô de superfície são o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e o metrô subterrâneo (mais caro, mas não impossível).


Em segundo lugar, o edifício antigo da Estação Central pode e deve ser conservado como o Museu do Trem, que já funciona no local. Suas demais instalações e seus trilhos, no entanto, ocupam muito espaço do centro da cidade e isolam aquela margem do Capibaribe do resto do bairro de São José, obstruindo seu potencial urbanístico.
 
Em terceiro lugar, a valorização do centro com o Pólo Jurídico e uma urbanização adequada (e não a segregação urbana proposta pelo Novo Recife), combinada com o Porto Novo, o Porto Digital e o funcionalismo público no Recife Antigo, deve gerar novas demandas viárias. Tendo em vista que as famílias que vivem entre o rio e a ferrovia serão transferidas para conjuntos habitacionais, é possível vislumbrar uma ligação da Beira Rio em Joana Bezerra com a Avenida Rio Capibaribe em São José, até a Ponte Velha.
Estação Central, Secretaria de Defesa Social 
e Casa da Cultura.
Novo prédio da SDS na Rua Seis.

Uma avenida Beira Rio continuada de Joana Bezerra a São José seria mais uma opção não só para o trânsito, mas também de espaço para edifícios comerciais, residenciais e até de prédios governamentais. Se a Secretaria de Defesa Social terá sua sede ali (como se vê no Google Street View), outros órgãos públicos poderiam mudar-se para a área tornada disponível pela extinção da via férrea e a planejada transferência da comunidade de Vila Brasil para o conjunto próximo ao Fórum Rodolfo Aureliano. Uma alternativa à transferência, se não fosse de interesse da comunidade, seria promover a urbanização das favelas margem do rio com habitação popular, semelhante ao que foi feito na Ilha de Deus.

Intervenções como essas podem não só gerar emprego e estimular a economia local durante e após a fase de implantação, mas melhorar a qualidade de vida na ilha de Antônio Vaz e na cidade do Recife. Para isso, é preciso observar princípios elementares do bom urbanismo: privilegiar os espaços públicos, preservar o patrimônio histórico e cultural e garantir os direitos da população.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Uma Rambla para o Recife (2)

Avenida Dantas Barreto ainda em construção.
Se eu soubesse desenhar, seria mais fácil. Os pensamentos, pô-los-ia graficamente no papel e economizaria pelo menos uma centena de palavras. Como não é o caso, consola-me o fato de que o teclado facilita a escrita e a internet enriquece a imaginação.
 
Dizia no texto anterior que uma notícia me havia reatiçado para a ideia de uma Rambla no Recife. Sem delongas, eis o vídeo.
A finada Igreja do Bom Jesus dos Martírios.
 
A matéria é recente, mas o problema é antigo. O próprio Jornal do Commercio publicou artigo em janeiro de 2011, classificando a avenida Dantas Barreto como "a maior concentração de irregularidades por metro quadrado" (leia aqui). Aparentemente, ninguém gosta da Dantas Barreto. A avenida que ligou o nada a lugar nenhum é problema para pedestres, passageiros de ônibus, comerciantes, moradores, camelôs e turistas. Simplesmente não funciona. Como se não bastasse, possui ainda uma dívida histórica: sua construção, na década de 1970, destruiu parte do bairro de São José - cerca de 400 casas, a Igreja do Bom Jesus dos Martírios, parte do Pátio do Carmo e da Praça Sérgio Loreto. A troco de quê?

A Dantas Barreto é, por tudo isso e mais alguns motivos que eu pretendo mostrar, o lugar ideal para construir algo parecido com uma Rambla no Recife. Se você não sabe do que estou falando, certamente não leu o post anterior. Leu? Então vejamos:

I - Extensão: a Dantas Barreto tem cerca de um quilômetro do Pátio do Carmo até a Praça Sérgio Loreto, tamanho ideal para um projeto desse tipo;
 
II - Amplitude: a avenida é bastante espaçosa, com 46 metros de largura até a rua Passo da Pátria e 51 metros daquele ponto em diante – a Rambla chega no máximo a 44m;


Largura da Dantas Barreto



Largura máxima da Rambla de Barcelona

III - Patrimônio histórico na vizinhança: na imagem abaixo estão destacados nos círculos verdes os principais pontos turísticos do entorno. A via convidaria o trânsito de turistas no caminho de uma atração a outra;





IV - Contigüidade com o terreno da Rede Ferroviária Federal (Refesa), adquirido por um consórcio para a construção do polêmico projeto "Novo Recife". Acredito que a Dantas Barreto poderia ser continuada, atravessando a bela Praça Sérgio Loreto e culminando no Cais José Estelita, uma das melhores vistas do Recife;


Praça Sérgio Loreto

V - Investimentos em hotéis: como parte do Porto Novo, o antigo prédio da Conab deve ser demolido em breve para a construção de um hotel e uma marina. Segundo o diretor do Porto Novo Recife, este hotel será "
o primeiro que ficará literalmente à beira-mar do Recife, com 300 apartamentos, marina internacional, e vai trazer o turismo náutico internacional", gerando cerca de 3 mil empregos;

VI - Se conjugada com um aproveitamento mais responsável do projeto Novo Recife e com o projeto Porto Novo (que se mostra promissor) no Recife Antigo, uma requalificação desse tipo na Dantas Barreto poderia impulsionar ainda mais a economia do bairro com comércio, turismo e imóveis residenciais.



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Este coitado que vos fala pode estar delirando ou sendo ingênuo demais, como é costumeiro ocorrer, mas ele acredita realmente que se trata de uma proposta viável e interessante. Se me permitem, gostaria de falar sobre as dimensões.

A avenida Dantas Barreto possui um trecho com pouco mais de 46 metros de largura e o resto com cerca de 51 metros. A Rambla catalã, estimo, varia de 30 a 44 metros de largura ao longo de seu trajeto. Nossa avenida, subutilizada como corredor de ônibus e degradada no seu canteiro central pelo "camelódromo" (o "Calçadão dos Mascates"), construído em 1992 para abrigar os vendedores ambulantes do Pátio do Carmo, pode servir como atração turística, área de lazer, entretenimento, comércio, serviços, corredor de ônibus, ciclovia e pista de cooper.

Como ficaria a avenida? 

Atualmente a Dantas Barreto possui, em seu trecho mais amplo, um total de 6 faixas de trânsito e 2 de trânsito/estacionamento-baliza. Como corredor de ônibus, ela só precisa de quatro, duas indo e duas voltando. As faixas atuais ocupam entre 23 e 24 metros de cerca de 50. Com quatro faixas de 3,5m cada, as vias ocupariam 14m, deixando espaço para calçadas de até 7m em cada lado que comportariam estacionamentos diagonais de 4m em alguns trechos, restando de 23 a 28 metros para canteiro central e calçadas.

Exemplo:

-Calçadas laterais: 7m de calçada (3m onde houver estacionamento diagonal) = 7m x 2 = 14m

-Vias de trânsito: 7m de faixas de trânsito = 7m x 2 = 14m

-Canteiro central para pedestres: 46 - 28 = 18m (trecho mais estreito) e 51 - 28 = 23m (trecho mais amplo).

Os estacionamentos seriam "cavados" em calçadas de 7m de largura, deixando somente nesses trechos 3m disponíveis para os pedestres, uma largura razoável se lembrarmos que há bastante espaço para o pedestre no canteiro central. O exemplo considera estacionamentos dos dois lados da pista, tendo em vista que o transporte automotivo é uma realidade em nossa cidade e eu não sou nenhum profissional do assunto para propor uma alternativa nesse caso. Também seria possível fazer estacionamentos do tipo baliza com 2m de largura, aumentando ainda mais a largura do canteiro central.

Se você está achando que 23 metros é pouca coisa, veja abaixo o que são 20 em outros locais conhecidos da cidade.

Calçadão em frente ao edifício Acaiaca em Boa Viagem


Rua da Moeda, Recife Antigo
Um calçadão central arborizado, fiação embutida no solo, quiosques diversos, pista de cooper, ciclovia, bancos fixos, espaços para espetáculos artísticos, vendedores ambulantes (com fiscalização para evitar exageros), terminando (ou começando) com a bela vista do Cais José Estelita. Se isso não revitalizasse e valorizasse esta parte da cidade, não sei o que mais o faria.

Há, no entanto, alguns "detalhes". Um deles é o limite de velocidade: atualmente os ônibus trafegam de maneira irresponsável, e lembro-me que já houve acidente grave por causa disso. Como uma maior circulação de pedestres, seria necessário restringir o ímpeto dos motoristas, algo simples de se fazer.

Mais complicada é a questão dos "mascates". Há 900 comerciantes cadastrados no camelódromo, e a prefeitura teria que pagar indenizações ou encontrar outras saídas para essas pessoas – capacitação profissional, construção de um mercado público digno nas redondezas ou qualquer outra coisa que os permitisse viver do seu trabalho.

Seria possível arriscar algumas estimativas de indenizações e custos de obras, mas trata-se de esforço infrutífero. Meu propósito é apenas jogar no ar uma contribuição para repensar a nossa cidade, mas como o terreno é infértil e o meio inadequado, agradeço a atenção e fico por aqui.

Fontes:

Lima, V. M. F. O Calçadão dos Mascates: uma análise da proposta de desenho urbano.
Humanae, v.1, n.1, p.54-70, Set 2007. <disponível em: http://www.esuda.com.br/revista/final/artigos/Lima.pdf>




Uma Rambla para o Recife (1)


Calçada da Conde da Boa Vista, Recife-PE
Certa vez estava remoendo os problemas urbanos do Recife: a (i)mobilidade, a carência de praças, de espaços de convivência e de lazer, a ditadura dos automóveis sobre pedestres e ciclistas. Como a maioria dos recifenses, tenho problemas com o desperdício de tempo no trânsito, com a exclusão de ciclistas e pedestres, com o valor abusivo e a má qualidade do transporte público e com a falta de hospitalidade do centro da cidade. Vivemos numa cidade quente onde não há espaço para árvores. As calçadas são pequenas demais para ambulantes e transeuntes e as ruas são estreitas demais para carros e ciclistas.

Conversa vai, conversa vem (comigo mesmo ou com alguém daqui de casa), eis que surge a avenida Conde da Boa Vista. Quente demais, cheia de gente, barulhenta, fedorenta, congestionada. É difícil encontrar um adjetivo positivo. Nunca estive em São Paulo, mas pelo que vi da Avenida Paulista, imagino que seja mais hospitaleira e organizada que a Conde da Boa Vista. Pensando numa solução para esse nosso inferno local, lembrei-me da Rambla. Como sonhar é de graça e o assunto me interessa, minhas divagações me levaram a pesquisar.

Se você já esteve em Barcelona, certamente sabe a que estou me referindo. Para quem não conhece, as fotos que adornam o texto serão suficientes para ilustrar a ideia que tem rondado minha cachola há alguns meses. 
 
La Rambla – ou Las Ramblas, uma vez que há pelo menos duas, uma delas chamada de Rambla Catalunya – é uma avenida como praticamente não há nesse pedaço caliente do mundo que chamamos de Recife: um caminho arborizado que privilegia o pedestre. Além da sombra assegurada pelas árvores, seu formato incomum e localização central fizeram desses mais de dois quilômetros de ruas contíguas um espaço público movimentado e uma atração incontornável aos visitantes da capital catalã. 

Com uma largura que varia, a depender do trecho, de 35 a 44 metros (de acordo com a régua do Google Earth e os dados que encontrei na internet), a Rambla ostenta três caminhos para pedestres: duas calçadas laterais, com no máximo 3m de largura, e um "canteiro" central cuja amplitude média é de 18m. Entre o canteiro central e as calçadas laterais, uma via indo e outra voltando. São três faixas de trânsito e um espaço para estacionamento em um dos lados, conforme mostra a foto.
 
O canteiro central, claro está, é o inusitado destaque. Nele se encontram comerciantes diversos (lanchonetes, floristas e bancas de revistas, por exemplo), artistas de rua, engraxates, guias turísticos e pontos de informação, e muitos transeuntes, turistas e locais. Não poderiam faltar bancos fixos para descansar, ler um livro ou um jornal, ou simplesmente para ver o povo na rua. Nas calçadas laterais, belos edifícios de cinco a sete andares abrigam residências e negócios, com vitrines de lojas, farmácias, bares, lanchonetes, restaurantes – o de sempre.
 
Não quero, porém, estender o falatório sobre a Rambla e demorar a tratar daquilo que realmente me importa. Se o leitor ou a leitora quiser saber mais sobre os encantos de Barcelona, o Google está 24 horas ao seu dispor. A partir de agora falaremos do Recife.
 
Que eu me lembre, Recife tem somente uma via de pedestres, que é a rua da Imperatriz. Quem já andou por lá sabe que o movimento é grande. Em época de comércio intenso a rua fica pequena para tanta gente. Não há árvores na Imperatriz e, apesar do nome pomposo, não há muita beleza para se ver ou boas opções para desfrutar o ócio. Apenas lojas, lanchonetes e outros negócios.

Rua da Imperatriz. Foto: Guga Matos/JC Imagem
Minha preocupação, no entanto, era com a Conde da Boa Vista. Vislumbrando algo parecido com a Rambla, afrontou-me de imediato a falta de espaço. Além dos ônibus que circulam diariamente nos corredores exclusivos, há faixas para carros em boa parte do trajeto. Julgava ser ampla o suficiente para abarcar a ideia, mas seus surpreendentes 25 metros de largura não me permitiram aplicar-lhe o conceito espaçoso da Rambla.
 
Engavetei meu projeto-divagação e deixei para lá. Até que um dia desses esbarrei com uma notícia que me fez mudar o foco, como mostrarei no texto seguinte.
 
Abaixo, a Rambla de Barcelona de dia e ao anoitecer.